A arte de escrever e desenhar

O escritor e ilustrador Nelson Cruz (foto: Carlos Avelin)

Nelson Cruz aprendeu a desenhar sozinho. Para se aperfeiçoar, só fez um curso de pintura por dois anos, em Belo Horizonte, cidade onde nasceu em 1957. Já trabalhou como pintor, ilustrador e caricaturista, para revistas e jornais. Além de desenhista, no entanto, Nelson é escritor e tem livros premiados no Brasil e no exterior. Em suas obras, cria ilustrações e textos que encantam crianças e adultos. Sobre sua obra No longe dos Gerais, Nelson conversou com a Ciência Hoje das Crianças e mostrou os caminhos que teve de percorrer para criar o livro, baseado nas anotações do escritor brasileiro Guimarães Rosa.

Como surgiu a idéia do livro?
Costumo pensar que esse livro nasceu no dia em que ganhei de presente um exemplar do Manuelzão e Miguilim, obra de Guimarães Rosa. Tenho certeza de que No longe dos Gerais começou a nascer naquele momento. A partir da leitura desse livro, comecei a me interessar pela vida e obra desse autor. Quando soube da história da boiada que ele acompanhou para conhecer e retratar nas suas histórias, fiquei emocionado e me perguntei: o que um autor é capaz de fazer para criar a sua obra? Essa pergunta ficou por muitos anos na minha cabeça até que resolvi sair em campo procurando pela resposta.

Por que você escolheu o menino Nilson para ser o principal personagem da história?
Eu precisava de um narrador. Inicialmente, pensei em narrá-la na primeira pessoa. Li numa entrevista com o vaqueiro Zito ‐ um dos vaqueiros que acompanhou a viagem de Guimarães Rosa pelo sertão mineiro ‐ que um menino acompanhou a boiada. Durante minha viagem de pesquisa à cidade de Três Marias, em entrevista com Tião Leite, único vaqueiro participante daquela boiada ainda vivo, ele me confirmou que realmente um menino a acompanhara e que era filho do capataz e se chamava Nilson. Na última etapa da pesquisa, nos arquivos do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo, consultei os escritos que Guimarães Rosa fez durante essa viagem e encontrei a confirmação de que precisava: o menino Nilson realmente a acompanhara. Com essa confirmação, conduzi a história tendo o menino como narrador anônimo da boiada.

Você teve que fazer muitas pesquisas para construir a história?
Para levantar informações sobre esse acontecimento reli vários livros de Guimarães Rosa e viajei aproximadamente por dois mil quilômetros fotografando, desenhando, conversando e, principalmente, fazendo anotações. Além disso, consultei mapas, visitei fazendas e fiz muitas leituras em bibliotecas.

Você pensa em escrever outros livros para o público infantil e juvenil?
Eu não escrevo unicamente para público infantil ou adolescente. Como sou também ilustrador tenho me empenhado em cada vez mais fazer da ilustração um elemento forte do livro. No Brasil, ainda se entende que livros ilustrados são livros para crianças e adolescentes… Fica essa classificação. Então, aí vai um aviso para os adultos leitores: descubram os livros ilustrados!

Para você, qual a importância de Guimarães Rosa na literatura?
Guimarães Rosa tem a qualidade rara de ser um magnífico criador de imagens. Ao ler a primeira página de Manuelzão e Miguilim, fui tomado de uma visão do sertão mineiro que até então desconhecia. Eu vi na minha mente toda aquela paisagem escrita em palavras numa página branca de livro. Para mim foi como fazer uma viagem no tempo e no espaço. Acredito que um escritor com essa capacidade se transforma em um verdadeiro “portal”. Nele podemos passar e identificar valores que reconhecemos.

Na infância, você já pensava no que ia ser quando adulto?
Na verdade, eu nunca pensei no que seria quando crescesse. Só lembro de mim desenhando, desde pequeno. Nunca fiz outra coisa na vida a não ser desenhar. É claro que durante a vida trabalhei em outras atividades; fui ajudante de marceneiro, vendedor no comércio e programador visual em banco. Mas sempre reservei, durante o dia, algumas horas para desenhar e pintar. Mas como não cursei Belas Artes, às vezes, até penso que foi a arte que me escolheu. Engraçado, não é?