Foi em uma viagem pelo rio Cururu-açu, no sul do Pará, em 1999. Os ornitólogos Elizabeth Höfling, Marcos Raposo e Renato Gaban-Lima viram um curioso papagaio: quase careca, sem penas na cabeça, ele tinha a pele da região de cor laranja. Os três logo pensaram que se tratava de uma nova espécie, pois as características dele não se encaixavam com as de nenhum papagaio que o trio conhecia! Mas, ao obter dados sobre a ave, descobriram que ela havia sido identificada como um jovem da espécie curica-urubu. “Foi um banho de água fria”, lembra Marcos Raposo.
Gaviões. Esses bichos fascinavam Marcos Raposo quando ele anda era criança. Seu passatempo favorito era observar essas aves. Mas aí a adolescência chegou e… o fascínio sumiu! O garoto que gostava de ver aves de rapina passou a adorar um estilingue e sair caçando bicho por aí. Acertar lagartixa, por exemplo, era com ele mesmo. Mas eis que, por volta dos 17 anos, o interesse pelos animais voltou, sobretudo por aves e mamíferos! Marcos resolveu, então, cursar a faculdade de Biologia, conheceu uma pessoa que trabalhava com aves, passou a trabalhar com ela e aí… nunca mais parou! Hoje ele é professor do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde dá aula de classificação de aves!
Anos antes, em 1980, o zoólogo Galileu Coelho coletou, em uma reserva em Pernambuco, duas corujas iguais e as levou para a universidade federal do estado, onde atuava. Lá, elas ficaram sem serem estudadas. Até que, em 1997, o professor José Maria Cardoso da Silva chegou à instituição. Com experiência na Amazônia, ele viu as aves e perguntou: que bichos são esses? Ao ouvir a resposta — Glaucidium hardyi , presente na floresta amazônica –, duvidou. “As corujas eram bem diferentes dessa espécie”, conta. “Propus, então, que fossem estudadas com calma.”
Quando criança, José Maria Cardoso da Silva queria ser centro-avante do Paysandu, “o melhor time de futebol de Belém”, segundo ele. Depois, pensou em ser astronauta ou historiador. “Mas, como sempre morei perto da floresta, comecei a me interessar pelas aves que ali viviam”, explica. “Fui observando os bichos e me interessando cada vez mais.”
José Maria criava as espécies em gaiolas para observar seu comportamento e suas vozes. Com isso, aprendeu muito sobre elas! Na hora de entrar na faculdade, não hesitou em escolher biologia. E olha que, na época, só tinha 16 anos! Enquanto freqüentava o curso, trabalhou como estagiário e recebeu orientações de um dos maiores ornitólogos que já atuaram na Amazônia: Fernando Novaes. Hoje, José Maria é vice-presidente de ciência da Conservação Internacional, uma organização não-governamental que procura proteger a natureza em todo o mundo.
No mesmo ano, 1997, uma cientista do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) coletou, por acaso, um peixe em um igarapé perto de Manaus. Ele era tão pequeno (dois centímetros) que não dava para dizer se pertencia a uma nova espécie ou se era só a forma jovem e desconhecida de algum grupo de peixes. Para piorar, não podia ser estudado a fundo pelos cientistas, pois era o único exemplar! “Em casos como esse, é prudente manter o animal intacto, como prova de que foi de fato achado”, explica Jansen Zuanon, biólogo do Inpa envolvido no estudo do peixe.
Essas histórias são diferentes, envolvem cientistas e bichos distintos, mas têm algo em comum: seu final. Todas terminaram com a conclusão de que os animais em questão — o papagaio, a coruja e o peixe — eram de uma espécie até então desconhecida pela ciência!
Mas os ornitólogos não tinham descoberto que o papagaio era definido como um curica-urubu jovem? Sim! Os cientistas do Inpa não estavam impedidos de estudar o peixe e, assim, confirmar se ele era de uma nova espécie? Pois é. Mas, até aqui, você só conheceu o início das histórias e nem sabe como se descobre uma nova espécie…
Desde pequeno, Jansen Zuanon se interessa por bichos! Quando criança, ele adorava observar os animais e seu comportamento. Nascido e criado no interior de São Paulo, seu ‘esporte’
favorito, por toda a infância, era pescar peixinhos nos riachos da região! “Desde que me entendo por gente, sempre tive um ou mais aquários em casa”, conta ele, que cresceu tendo seu interesse por peixes apoiado pelos pais.
Hoje, Jansen trabalha com peixes na Amazônia, como pesquisador da Coordenação de Pesquisas em Biologia Aquática do Inpa. Mas como esse paulista foi parar tão longe? Quando cursava Ciências Biológicas, ele participou por três vezes de um projeto que levava universitários para trabalhar em regiões carentes do país. Foi aí que conheceu Humaitá, no Amazonas. “Então, tomei a decisão — ou fui fisgado — por trabalhar na Amazônia, explica.
Uma espécie é considerada nova quando difere de todas as outras que já tiveram suas características descritas pelos cientistas. Essa diferença costuma ser sutil: no caso dos peixes, por exemplo, pode estar no número de escamas ou na forma dos dentes. Por isso, é preciso ser, em geral, um especialista para ter certeza de que uma espécie é nova!
Taxônomos e sistematas são os especialistas em descrever novas espécies e estudar suas relações de parentesco. Eles comparam espécies já descritas entre si e podem encontrar exemplares que não se encaixam nas características de nenhuma espécie já conhecida. “Isso leva a estudos que, em geral, acabam com a publicação de um texto, descrevendo a nova espécie, em uma revista científica”, explica Jansen Zuanon.
Mas o que é preciso analisar para dizer se uma espécie é nova?! Isso é o que você vai descobrir na continuação desta série de textos!