Respire fundo, afie sua imaginação e embarque em um universo onde cavalos podem voar, uma flor nasce de dentro de um ovo e uma girafa é lançada janela abaixo. Nesse mundo, o corpo humano divide-se em inúmeros pedaços e muletas apóiam cada uma de suas partes. Dos corpos saem gavetas ou janelas. Os relógios têm aparência gelatinosa, derretem-se.
Essas imagens foram pintadas por um artista que buscou imprimir em seus quadros o delírio, a alucinação, a loucura. O espanhol Salvador Dalí queria que sua pintura transportasse quem a visse a um mundo diferente, mais próximo do reino ilógico dos sonhos que da vida real.
Imagine você, na aula de Arte, desenhando assim: uma árvore imensa, fincada em pleno oceano, com peixes prateados pendurados nos galhos. É bem possível que causasse espanto. “Pirou na batatatinha?”, talvez lhe perguntasse um colega. Pois adivinhe o que aconteceu quando Dalí, há cerca de 70 anos, começou a pintar desse jeito. É claro que foi tido como doido! O pai teve até mesmo uma séria discussão com ele e ficaram anos sem se falar.
Mas pensa que Dalí se importava? Muito pelo contrário. Adorava a fama de maluco e se esforçava para chocar cada vez mais com seus quadros e atitudes. Na abertura de uma exposição em Londres, em 1936, foi com roupas e equipamento de mergulho. Um dos muitos escândalos que aprontaria ao longo da sua vida.
Dalí nasceu em Figueras, na Espanha, em 1904. As recordações da infância e da paisagem da praia de Cadaqués estão presentes em muitos de seus quadros. Além de pintor, foi escultor, ilustrou livros, criou jóias e cenários. Desde cedo, decidiu que ia ser um gênio, conforme contou mais tarde em sua autobiografia.
Quando se juntou aos surrealistas, em 1929, logo se tornou o mais famoso representante do movimento. Inventou o “método paranóico-crítico”, que o ajudava a ver o mundo como se fosse uma pessoa perturbada mentalmente. Casou-se com Gala, sua eterna musa. Ela aparece retratada nos quadros de Dalí nas formas mais surpreendentes — até mesmo como uma Nossa Senhora.
Foi Gala que ajudou o artista a se transformar num dos mais ricos de sua época. De 1940 a 1955, eles moraram nos Estados Unidos, onde o pintor fez muito sucesso e ganhou muito dinheiro. Mesmo velho, Dalí continuou sendo o exibicionista que fora durante toda a sua vida. Só após a morte de Gala, em 1982, tornou-se recluso. Morreu sete anos depois.
Dalí gostava de frases de efeito. Criou várias e jamais se cansava de repeti-las. Uma delas: “Eu sou o maior gênio de nossa época.” Outra: “A única diferença entre Dalí e um louco é que Dalí não é louco.” Podia não ser louco, mas que fez muitas maluquices, isso fez. Como assinar centenas de telas em branco, facilitando a falsificação de sua própria obra.
(Esta é uma reedição do texto publicado na CHC 78.)