Lendas são histórias que vão passando de geração a geração, mantendo vivos, na imaginação das pessoas, seres que causam certo… Medo! É o caso dos vampiros e lobisomens. Mas deixe de lado esses dentes de alho e escute essa…
Por muito tempo na história da humanidade, tudo aquilo que não era bem entendido acabava ganhando uma explicação recheada de mistérios. Infelizmente, isso acontecia também com doenças que não apresentavam cura, levando as pessoas atingidas a viverem isoladas por vergonha da própria aparência.
Um grupo de doenças muito raro, conhecido como porfirias, pode ter contribuído – mesmo sem querer – para que a imaginação popular criasse figuras fantásticas, como os vampiros – seres que fogem da luz e alimentam-se do sangue humano – e os lobisomens, criaturas meio homem e meio lobo que têm preferência pelas noites de Lua cheia.
Surge a lenda!
Para alguns estudiosos, as porfirias podem ter sido a origem das lendas sobre vampiros e lobisomens. Antes que alguém pergunte: não! Não há qualquer registro de que um portador de porfiria tenha atacado uma pessoa, muito menos se interessado pelo sangue humano.
As histórias devem ter sido criadas com base na aparência dos doentes (dentes salientes, xixi cor de sangue, pelos em excesso…) e, também, pelo fato de algumas pessoas com porfiria do tipo aguda apresentarem um comportamento considerado estranho durante as crises de dor na barriga. Essas dores ocorrem porque no sangue desses doentes há aumento de uma substância de nome difícil – o ácido delta-aminolevulínico –, o que causa uma verdadeira confusão no cérebro, incluindo alucinações visuais e auditivas.
Somando aparência física e sintomas, o imaginário popular pode ter voado longe, dando forma a vampiros e lobisomens.
Mas o que são as porfirias?
São doenças que afetam tanto crianças quanto adultos e podem ter como características o aumento da sensibilidade da pele à luz solar, urina de cor avermelhada, dor na barriga, alterações de comportamento e, até mesmo, o crescimento excessivo de pelos no rosto, nos braços e nas pernas.
O nome porfirias vem de porphyrus, palavra grega que significa “púrpura”, e provavelmente foi escolhido por conta de a urina dos portadores de algumas formas de porfiria ser avermelhada.
Isso pega???
Não! As porfirias são doenças genéticas, ou seja, a pessoa já nasce com ela. Em alguns casos, há sintomas que aparecem no primeiro ano de vida (como a urina avermelhada); em outros, eles surgem apenas quando a pessoa se torna adulta. A luz solar costuma ser mesmo um problema para os portadores de porfiria. Na pele, que é muito sensível, podem surgir bolhas, que levam à alteração de cor nesses locais ou ao aumento de pelos.
Alguns pacientes apresentam uma forma mais grave da doença. Nesses casos, as alterações na pele são percebidas nos primeiros anos de vida e podem evoluir para cicatrizes graves. Essas pessoas podem também ter dentes avermelhados e alteração da gengiva, deixando os dentes mais expostos.
Não é à toa que, no passado, muita gente com porfiria preferisse ficar mais em casa, evitando sair durante o dia tanto por conta das consequências da exposição à luz solar quanto por chamar a atenção de outras pessoas para as alterações de sua pele.
Papo sério
Para o folclore, a cultura popular, esses personagens são, sem dúvida, muito curiosos. Por outro lado, algumas dessas lendas acabaram por aumentar os preconceitos e mitos em torno das porfirias.
Como portadores de qualquer outra doença, as pessoas com porfiria têm de lidar com as limitações e complicações que uma doença sem cura pode causar e, nessas horas, o preconceito e a falta de conhecimento dos outros só fazem aumentar ainda mais o sofrimento dos doentes.
Você não acha que a atitude das pessoas de afastar aqueles que são diferentes é mais assustadora do que lendas sobre seres sobrenaturais?
(Esta é uma reedição do texto publicado na CHC 228.)