historiador especialista em escravidão!

O que foi a escravidão no Brasil? Que documentos podem nos ajudar a contar como ela aconteceu? Para responder essas e outras perguntas, a CHC conversou com alguém que estuda e escreve sobre a história da humanidade, ou seja, um… historiador!

Flavio Gomes, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), está há mais de 30 anos nessa profissão.Ele se dedica a estudar a história da escravidão, um período que foi muito doloroso no Brasil.

Até meados do século 18, a escravidão no Brasil foi de indígenas e de africanos. Em 1759, a escravidão de indígenas foi considerada ilegal. Mas, só em 1888 a escravidão de negros africanos foi abolida. Dessa conversa com Flavio, descobrimos por que é importante preservar a História.

Ilustração Cruz

 

Ciência Hoje das Crianças: Por que você decidiu ser historiador?

Flavio Gomes: Nem sei exatamente quando e como me apaixonei por História. Minhas primeiras tentativas de entrar para a universidade foram para Educação Física. Minha irmã mais velha – antropóloga e professora do Museu Nacional – me influenciava. Também me lembro de conversas na infância com minha avó materna, que sempre contava histórias do cangaço. Ela era alagoana, nascida no final do século 19. Da parte paterna, as referências foram as imagens da cidade de Campos dos Goytacazes, no Rio de Janeiro. Meu pai nasceu ali, numa comunidade negra rural, remanescente de ex-escravos da Fazenda de São Bento, dos monges beneditinos. Foi uma fazenda escravista desde o século 17.Eu ouvia histórias de tios, madrinhas e compadres do meu pai. De algumas recordo bem: eram as da Tia Bá, que cozinhava em fogão de lenha e falava muito da minha bisavó Dionísia (seu apelido era Indundê),ex-escravizada. Aquilo depois seria determinante para eu pensar a história que gostaria de saber e pesquisar.

 

CHC: O que o levou a se especializar em história da escravidão?

Flavio: Os universos infantis e familiares foram determinantes. E foram várias tentativas, entre 1981 até a entrada numa universidade pública em 1986. Em quatro anos me formei. Em 1990, já estava no Mestrado da Universidade Estadual de Campinas, a Unicamp. História, pesquisa em arquivos, frequência em instituições como Arquivo Nacional, Biblioteca Nacional e outros eram um norte na minha vida.

 

CHC: E o que foi a escravidão?

Flavio: Escravidão no Brasil foi algo complexo e de longa duração. Se considerarmos que há evidências de que o açúcar produzido no Brasil seguia para a Europa desde 1512,percebemos que há mais 375 anos de escravidão em nossopaís – o último das Américas a abolir a escravidão, em 1888. Os historiadores estão cada vez mais atentos a esses‘detalhes’ da história, especialmente nos últimos 20 anos. Não podemos mais falar em escravos, mas sim em escravizados, uma vez que isso recupera a importância histórica da escravidão, especialmente das populações africanas.

 

CHC: Por que é importante estudar e pesquisar sobre a escravidão?

Flavio: Estudar a história da escravidão é estudar a história do Brasil dos séculos 16, 17, 18 e 19.É cidadania!Assim conhecemos a história do Brasil e não apenas a história dos negros – até porque ninguém fala que existe a ‘história dos brancos’.A importância está em entender o passado, escutá-lo a fundo, lançar dúvidas sobre temas que não foram desenvolvidos. Significa pensar processos a partir de experiências e de personagens.

 

CHC: Como é tratar nas escolas e universidades um tema tão sensível na nossa história? Afinal, lembra um período doloroso…

Flavio: Na verdade, não há temas mais ou menos sensíveis. São temas da história, de experiências, de personagens… O que pode ser sensível é a história da escravidão não revelar as experiências dos escravizados, e sim apenas as visões daqueles que eram chamados ‘senhores’. Hoje, estamos à procura de soluções, com análises e interpretações para recuperar outros olhares sobre o passado.

 

CHC: Como você lida com isso como pesquisador e professor?

Flavio: Na universidade pública e nas agências que financiam pesquisas, temos liberdade, seriedade, compromisso e responsabilidade enquanto cientistas. Como professores historiadores, chamamos atenção para os processos de escolhas das fontes históricas envolventes, os ambientes acadêmicos, históricos, intelectuais de obras e dados do passado. É isso que estimulamos nos alunos. Pode parecer complicado, mas é bem simples quando pensamos a história à luz da ciência, sem nos esquecermos do uso da memória.O ensino e a pesquisa não devem ser separados, mas sim articulados.

 

CHC: Como vê a importância do dia 13 de maio?

Flavio: Muito importante! A ênfase na lei e na sua assinatura pela princesa Isabel escondeu o caminho de lutas e debates em diferentes partes do Brasil, envolvendo diferentes setores da sociedade. Mais recentemente, pesquisas têm criticado a importância política e heroica que se dá a determinados líderes abolicionistas e chamado atenção para os intelectuais negros, o papel dos escravos e outros espaços de luta e convencimento que resultaram na abolição.

 

CHC: Por que é importante preservar e manter viva a História?   

Flavio: Histórias! Sempre no plural. São várias e muitas. Histórias são individuais e coletivas. A sua própria história, da sua família, do seu bairro, da sua região, a história dos seus pais, a história dos seus avôs. A história estará sempre viva. Preservar significa não silenciar estas histórias e buscar a memória delas. Temos que assim, cada vez mais,conhecê-las, com seus personagens e suas experiências.

 

Elisa Martins,
Jornalista, especial para a CHC.

Matéria publicada em 04.06.2019

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