A imagem acima é de Sankofa, um símbolo gráfico, um ideograma, que representa um provérbio africano tradicional dos povos de língua Acã. A palavra une os termos ‘san’, que significa voltar; ‘ko’, que significa ir; ‘fa’, que quer dizer buscar. Quando criado, o símbolo não tinha a ver somente com a palavra, e sim com o provérbio na língua Acã que diz Se wo were fi na wosankofa a yenkyi, que pode ser traduzido como: “Você pode voltar atrás e buscar aquilo que esqueceu” ou “Nunca é tarde para voltar e apanhar aquilo que ficou para trás”.
A Sankofa é um dos símbolos mais conhecidos em todo o mundo e é muito comum em móveis, esculturas e tatuagens. É representado por meio de um pássaro, que faz parte da tradição e da crença desse povo. A ave voa para frente, mas mantém a cabeça voltada para trás e carrega em seu bico um ovo. O símbolo, juntamente com o provérbio, nos ensina sobre o retorno às nossas raízes, a compreensão do presente e como avançar para um futuro melhor. O ovo representa o futuro de uma pessoa, de um grupo ou de um povo que aprende com o conhecimento dos que vieram antes de nós, ou seja, os nossos ancestrais. O ovo é, portanto, a nossa herança cultural.
Agora que conhecemos Sankofa, vamos conhecer outros Adinkras, isto é, outros ideogramas de origem africana que representam ideias expressas em provérbios.
Cada símbolo Adinkra possui um significado, e suas formas têm a ver com representações do dia a dia dos povos Acãs, localizados principalmente nos países Gana e Costa do Marfim. Seus valores e filosofias de vida são passados oralmente de geração em geração.
Os ideogramas são baseados no corpo humano, em figuras de animais, plantas, astros e outros objetos. Assim, têm a ver com a história, a filosofia, os valores e as características sociais dessa rica cultura africana.
A palavra Adinkra tem como significado “um adeus”, uma despedida: ‘kra’ é traduzido como alma, então pode ser compreendido como “um adeus à alma”. Pode também ser associado às tradições de um funeral, no qual os tecidos utilizados são estampados com os símbolos homenageando a pessoa falecida.
Agora vamos observar como existem conceitos matemáticos em boa parte dos Adinkras. Olhando para os símbolos abaixo, você consegue perceber alguma relação com a matemática?
Tente imaginar algumas retas cortando esses símbolos ao meio, ora na vertical, ora na horizontal. E agora, percebe algo?
É possível perceber uma simetria em alguns dos símbolos adinkras. A simetria é um conceito matemático muito utilizado nas artes e na arquitetura. De forma simples, podemos dizer que algo é simétrico quando pode ser dividido em partes de iguais, conservando formatos e tamanhos.
Uma área da matemática chamada geometria dá uma explicação ainda mais específica para a simetria. Segundo ela, um objeto é simétrico se ele parecer o mesmo depois de uma transformação, como uma rotação, a partir de uma linha real ou imaginária, que atravessa o centro da figura.
Embora muitos ideogramas Adinkras sejam simétricos, há diversos outros que não apresentam qualquer simetria, isto é, são assimétricos. Veja…
Sankofa: é um símbolo assimétrico.
Akoben: simboliza vigilância, cautela, prontidão, luta e voluntarismo, e é também assimétrico.
Agora, é hora de descobrir que tipos de simetria podemos aprender com os símbolos Adinkras simétricos!
É também conhecida como simetria de espelhamento ou axial. Neste tipo de simetria, uma linha (chamada eixo de simetria) divide a figura ou objeto de tal maneira que as duas partes ficam exatamente iguais, como se uma fosse o reflexo da outra. Vamos ver alguns exemplos de Adinkras com simetria por reflexão:
Akofena: é o símbolo da autoridade do Estado, da legalidade, do reconhecimento de bravura ou atos heroicos. Tem como representação duas espadas cruzadas e aparece em escudos dos antigos Estados Acã.
Aya: é o símbolo de resistência, independência, desafio contra dificuldades, perseverança e desenvoltura. A imagem lembra uma samambaia, planta que pode crescer em lugares de difícil adaptação.
Imagine fazer um objeto girar ao redor de um ponto e ele ficar exatamente como na posição original – isso é simetria por rotação! Vamos ver alguns exemplos de Adinkras com este tipo de simetria:
Bese Saka: é o símbolo de riqueza, poder e abundância. Faz referência ao “saco de nozes-de-cola”. A noz-de-cola é um fruto originário das regiões da África ocidental e central, utilizado entre os povos Acãs como a forma preferida de presentear amigos e familiares. Com a escravização e o tráfico de milhares de africanos para as Américas, era comum as pessoas negras escravizadas mascarem essas nozes para suportar a dor dos trabalhos violentos.
Nyame Nwu Na Mawu: para os Acãs, é o símbolo da presença e existência de Deus e também da existência do espírito humano. Eles acreditam que a imortalidade da alma existe por ser parte de uma divindade. Na tradução, o provébio Nyame nnwu na mawu significa “Deus nunca morre, por isso não posso morrer”.
Nyame Dua: para o povo Axante, de Gana, representa a árvore de Deus. É símbolo da presença e proteção divina. Embaixo desta árvore, aqueles considerados sábios pelos Axante se reúnem e realizam rituais para garantir o equilíbrio e a harmonia das pessoas.
Agora imagine que um objeto desliza sobre uma reta imaginária sem girar ou inverter o sentido. Isso é simetria por translação. Veja um exemplo de Adinkra com essa simetria:
Mate Masie: representado com dois conjuntos de olhos, é o símbolo da sabedoria, do conhecimento e da prudência. O provérbio Nyansa bun um nne mate masie significa “Eu guardo aquilo que ouço”, e quer dizer devemos ter compreensão e consideração pelo que é dito por outras pessoas. Faz relação com a habilidade dos elefantes e a capacidade que eles têm de resgatar na memória, mesmo depois de percorrer centenas de quilômetros, uma região com água e comida.
Com a apresentação de Sankofa, pudemos conhecer os Adinkras, uma tradição cultural bem comum em algumas regiões do continente africano, mas que pode ser uma grande novidade para outros povos. Também fomos apresentados a ideias matemáticas, como a simetria, e tomamos um banho rápido de cultura africana. Valeu o passeio?
No Brasil, é comum encontrarmos objetos, principalmente portões, nos quais temos uma junção de dois símbolos, que nos dá a ideia de um coração. A introdução desses desenhos nos móveis se deu por meio dos negros escravizados no período colonial. Eles trouxeram em suas memórias a riqueza cultural do seu povo. Por onde encontrassem os símbolos esculpidos em ferro, os negros que foram trazidos como cativos para o Brasil identificavam suas tradições de luta e resistência.
Ivanildo Carvalho
Núcleo de Formação Docente
Centro Acadêmico do Agreste
Universidade Federal de Pernambuco
Matéria publicada em 05.12.2022
Joseane Santos
Acompanho o Núcleo e o extraordinário realizado por todos com coordenação do professor Ivanildo Carvalho. É coisa linda de se ver.
Sílvia Pereira
Olá!
Adorei a matéria!!!!!
Temos muito a aprender!!
Abraços.
Denise Cruz Candido Miranda de Souza
Parabéns pela pesquisa e gratidão pelo compartilhamento.
Precisamos mesmo resgatar saberes que nos foram negados.
nicoly
achei muito legal aprendi varias coisas que eu não sabia .
Nadya
Parabéns
Conteúdo muito bom.
Professora Isabel Sousa
Super interessante. E o melhor que já vem com a dica do conteúdo em que pode ser usado.
Samia Holanda
Muito Bom. Parabéns!!!
Renan Vitor
Foi legal lir muito aprendi muitas coisas
Givaldo Santos
Parabéns, pelo conteúdo.
Axé+
Edy
Matéria muito relevante e necessária para apreensão das nossas tradições.
Victor Calado
Bem interessante.