Está chegando o carnaval. Milhares de foliões preparam-se para dançar pelas ruas de Recife, a capital de Pernambuco, embalados pelo frevo. O sol escaldante não irá desanimar a multidão, que se divertirá por horas. Será pura ferveção, ou melhor, freveção . Afinal, a pronúncia errada do verbo ferver é que originou o nome desse ritmo carnavalesco, que comemora 100 anos neste 9 de fevereiro de 2007.
Se você ficou surpreso com a idade do frevo, saiba que está convidado a conhecer a história desse ritmo, embarcando em uma viagem no tempo. “Até o século 19, o carnaval era comemorado pela população com uma brincadeira chamada entrudo, em que as pessoas jogavam uma mistura de farinha com água umas nas outras, no meio da rua”, conta Rita de Cássia Araújo, antropóloga especializada em carnaval. No século 19, porém, as cidades brasileiras começaram a querer se organizar como as européias e, com isso, passaram a reprimir tudo o que pudesse estragar sua boa imagem. Como resultado, o entrudo passou a ser visto como uma brincadeira bárbara e selvagem, sendo proibido no Recife e em outras cidades.
Foi então que surgiram no país os bailes de máscaras. “Esse novo ‘carnaval’ era inspirado nos bailes da Itália e da França, com festas de mascarados em salões e desfiles com carros alegóricos que faziam críticas aos costumes da sociedade”, conta Rita. O problema é que só os ricos podiam participar desse tipo de festa. Em resposta a isso, as camadas populares – trabalhadores da cidade, ex-escravos e os capoeiras (capangas que protegiam os coronéis e chefes políticos da época) – fundaram clubes carnavalescos pedestres. Neles, todos iam andando pelas ruas enquanto a fanfarra (banda que tocava a música e acompanhava o desfile) executava as músicas que embalavam o desfile. “Esses clubes tinham até mesmo nomes relacionados ao mundo do trabalho, como Vassourinhas, Espanadores, Feirantes”, comenta Rita.
No passo do frevo
Chico Barroso, de 10 anos, é recifense e fã de frevo. “Tem desfiles de frevo fora de época, mas eu vou mesmo é no carnaval”, conta ele, que cai na folia junto com o pai e tem um passo favorito. “Adoro o ferrolho”, explica. Xiii… Mas o que é ferrolho?
Como o frevo surgiu dos desfiles carnavalescos organizados por trabalhadores, os nomes dos passos desse ritmo também têm tudo a ver com o mundo do trabalho, como tesoura, dobradiça, parafuso, ferrolho, locomotiva… Clique aqui e veja como se dança os mais famosos. Depois, assista ao vídeo que mostra uma dançarina e um passista do Balé Popular de Recife apresentando um pouquinho do frevo.
As fanfarras tocavam estilos musicais conhecidos na época, como o maxixe, a polca, o dobrado (marcha militar em ritmo rápido), a modinha e a quadrilha. Com o passar do tempo, e de forma espontânea, esses estilos foram se mesclando, até que começou a surgir o que conhecemos hoje por frevo. Da mesma forma, surgiu a dança identificada atualmente como típica desse ritmo: os movimentos espontâneos que o povo fazia ao acompanhar a música, sobretudo os capoeiras, com o tempo, foram se repetindo e se popularizando. Assim, nasceram os passos executados pelas passistas que carregam sombrinhas coloridas (leia No passo do frevo).
No final das contas, porém, a pergunta que fica é: por que estamos comemorando os 100 anos do frevo se ele nasceu assim, espontaneamente, e não por decreto? “A data de 9 de fevereiro é considerada o aniversário do frevo por convenção. Isso porque, nesse dia, em 1907, apareceu a palavra frevo pela primeira vez em um jornal, designando uma música que seria executada pelo clube carnavalesco dos Empalhadores do Feitosa”, explica Rita. “Certamente, no entanto, o frevo nasceu antes, bem antes disso”. Para alegria de muitos foliões, não é?