Há situações e pessoas que passam por nossas vidas e que jamais esquecemos. Algumas como boas, outras como más lembranças. Eis um exemplo: em minhas memórias de infância, jamais esquecerei de minhas vizinhas. Senhoras, já bastante idosas, moravam do lado esquerdo e direito de minha casa.
Nada de vovozinhas que nos oferecem bolos, balinhas ou um refresco gelado nos dias de verão. Minhas recordações são outras… Elas eram terríveis! Brigavam com todos os vizinhos e tinham, entre si, um ódio mortal. Ambas eram solteiras – diziam as más-línguas que tiveram o mesmo noivo, que depois teria fugido para se casar com outra vizinha.
As brigas entre as duas começavam sempre pelo latir do cachorro de uma ou pelo gato da outra, que cismava em passear por telhados e muros alheios. “Sua jararaca, cale a boca deste cachorro”, gritava a vizinha do lado esquerdo. “Cascavel…cascavel… vou arrancar o rabo deste gato cor de mel!”, rosnava em altos e ameaçadores brados a outra, da casa à direita.
Jararaca, cascavel, cobra coral, jiboia barriguda, urutu-cruzeiro, surucuru, jararaca-ilhoa e outras cobras, venenosas ou não, eram sempre os adjetivos mais gentis que vociferavam entre si. Por isso, chamávamos nossa vizinhas de “cobras bípedes”, ou seja, cobras com duas pernas.
O que me leva à pergunta: será que existe cobra com pernas?
Atualmente, não. Mas, se retornarmos há 130 milhões de anos, os ancestrais das cobras modernas possuíam não duas, mas quatro pernas! Isso mesmo!
As cobras, como todos os demais seres vivos, são o produto da evolução, um processo que possibilita mudanças nas espécies ao longo do tempo. Os ancestrais das cobras eram répteis que, durante o período Cretáceo (o tempo dos dinossauros), evoluíram de uma família de lagartos semelhante aos lagartos varanídeos.
Os paleontólogos consideram que os ancestrais das cobras eram lagartos que escavavam o solo úmido, em busca pequenos animais que viviam enterrados. Num período de milhões de anos, esses lagartos perderam as pernas, o que facilitaria a escavação do solo e sua locomoção.
Atualmente, o lagarto mais semelhante ao ancestral das cobras vive na ilha de Bornéu, ao sul da Ásia. É um tipo de lagarto que passa longo tempo dentro da água e que possui pernas muito curtas.
Já o destino das cobras atuais foi o de não terem pernas. E o de minhas vizinhas? Bem… estas já se extinguiram há alguns anos, e hoje jazem lado a lado, no mesmo cemitério. Como as cobras com pernas, não resistiram ao tempo. Foram transformadas em mais uma história!