Ser o primeiro a atravessar a Antártica de um lado a outro, passando pelo pólo sul: esse era o objetivo do explorador irlandês Ernest Shackleton quando, no início do século 20, partiu em direção ao continente gelado a bordo do navio Endurance. Antes de chegar a seu destino, porém, Shackleton e sua equipe se depararam com um problema difícil de resolver. Em 19 de janeiro de 1915, o navio ficou preso pelo gelo no mar de Weddel, na costa da Antártica.
O gelo não apenas prendeu o navio no meio do mar, mas também começou a pressionar seu casco com o passar do tempo – é que a água, quando congela, passa a ocupar mais espaço. Você já reparou? Bastar encher, com água, forminhas de gelo e colocar no congelador. Algum tempo depois, você retira e nota que o gelo ocupa mais espaço do que a água em estado líquido.
Isso não é muito comum, na verdade. A maior parte das substâncias ocupa menos espaço como sólido do que como líquido. Num sólido, as moléculas se arrumam em configurações geométricas – como bolinhas de gude numa caixa de sapatos –, enquanto, nos líquidos, elas conseguem deslizar umas sobre as outras, em geral ocupando mais espaço do que nos sólidos.
A água, porém, ao se solidificar, acaba favorecendo uma arrumação das moléculas em hexágonos, e isso ocupa ainda mais espaço do que as moléculas livres deslizando umas sobre as outras. Por isso, a água dilata, ou seja, aumenta de tamanho ao congelar. Isso não causa grandes problemas no congelador da sua casa, mas, no mar, pode gerar a confusão em que se meteu o navio de Shackleton, que ficou espremido pelo gelo.
Apesar do susto, o Endurance aguentou durante vários meses. A tripulação racionava comida e suportava o clima hostil. Veio o inverno e o navio continuou preso – o jeito era esperar, então, o próximo verão, quando tinham a esperança de conseguir livrar o navio do gelo e retornar à civilização para conseguir novos suprimentos e reorganizar a expedição.
No entanto, o gelo aos poucos foi vencendo a luta, quebrando o casco do navio “como uma casca de ovo”. Em 21 de novembro, nada mais podia ser feito para tapar os enormes buracos que se formavam no seu casco de madeira reforçada, e o Endurance afundou.
Àquela altura, a tripulação já havia montado acampamento no gelo à volta, e todo o material importante para a sobrevivência dos quase 30 membros da expedição estava salvo.
Os tripulantes salvaram também três barcos pequenos, com os quais uma parte da equipe conseguiu ir buscar ajuda. A história de como esses homens conseguiram sobreviver e retornar à civilização quase dois anos depois do início da expedição, num dos ambientes mais desafiadores do planeta, é um triunfo do espírito humano e provavelmente a narrativa de aventura mais impressionante que eu já li! E nada disso teria acontecido se a água não dilatasse quando congela…