Chuva de formigas

O ar quente e parado daquele final de uma tarde de outubro era um anúncio do que em breve aconteceria. O céu claro e sem uma única folha a se mexer. E lá estávamos nós, parados no meio do amplo campo gramado, que servia por vezes de pasto, e também para jogarmos futebol.

“Será que elas virão hoje?”, perguntou Chico, ávido para respondermos sim. Como sempre, em respostas evasivas, mas quase sempre esperançosas, Urtiga respondia: “Acho que não, mas, como o tempo está bom, acho que elas virão”.

Outubro era o mês delas. Chegavam de mansinho nas tardes quentes e sem vento. Quando menos esperávamos, o céu, o chão e as árvores estavam enegrecidos pelo formigueiro voador que se formava ao redor das áreas de pasto – eram as formigas aladas que saíam de suas tocas para acasalar. (foto: Fir0002/Flagstaffotos / (a href=http://creativecommons.org/licenses/by-nc/3.0/)CC BY-NC 3.0(/a))

Outubro era o mês delas. Chegavam de mansinho nas tardes quentes e sem vento. Quando menos esperávamos, o céu, o chão e as árvores estavam enegrecidos pelo formigueiro voador que se formava ao redor das áreas de pasto – eram as formigas aladas que saíam de suas tocas para acasalar. (foto: Fir0002/Flagstaffotos / (a href=http://creativecommons.org/licenses/by-nc/3.0/)CC BY-NC 3.0(/a))

Se vocês estão pensando que esperávamos alguma moçoila cheirosa e elegante, estão enganados. Nossa expectativa era pela chegada das bundudas. Êpa!! Bundudas? Sim: içás, bitús ou formigas com asas!

Já quase escurecendo, Chico gritou: “Olhem! Elas chegaram!” O alvoroço foi geral, pois todos queriam pegar a maior quantidade possível dos grandes formigões com asas. Afinal, tratava-se de uma iguaria culinária.

Tirávamos suas asas e as jogávamos na banha ou na manteiga bem quente. Depois, já na frigideira, um pouquinho de sal, cebola, cebolinha e alho picadinho. Quando elas estivessem bem crocantes, estavam no ponto para serem comidas. Se você gostasse de farofa, era só colocar um pouco de farinha. Maravilha!

Pensando bem, coitadas. Justamente as formigas, que têm uma linhagem e uma história tão nobres.

Veja que beleza este fóssil de formiga com asas, pertencente à espécie (i)Titanomyrma giganteum(/i). (foto: Wikimedia Commons / Ghedoghedo / (a href=http://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0/deed.en)CC BY-SA 3.0(/a))

Veja que beleza este fóssil de formiga com asas, pertencente à espécie (i)Titanomyrma giganteum(/i). (foto: Wikimedia Commons / Ghedoghedo / (a href=http://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0/deed.en)CC BY-SA 3.0(/a))

Os registros fósseis mais antigos de formigas datam de 100 milhões de anos. São fósseis raros, mas que documentam uma longa e bem sucedida história de ocupação dos vários ambientes terrestres.

Porém, há estudos baseados em seus genes que indicam que as mais antigas formigas podem ter surgido há pelo menos 160 milhões anos. O grupo das mais velhinhas incluiria as formigas conhecidas como Martialinae.

As primeiras formigas a surgirem possivelmente eram caçadoras vorazes que viviam em túneis debaixo da terra. Sua história de evolução inicia-se com a proliferação e dispersão das plantas com flores, que possibilitaram também a evolução dos insetos herbívoros, os quais estariam incluídos em sua alimentação.

Uma espécie do grupo Martialinae é encontrada na Amazônia brasileira – trata-se de (i)Martialis heureka(/i), de cor bem clara e cega. Ela é uma caçadora de pequenos insetos e minhocas, vivendo debaixo de folhas, madeiras apodrecidas e até mesmo em pequenas galerias embaixo da terra. (foto: Michael Branstetter / (a href=http://www.antweb.org/)AntWeb(/a) / CC BY-SA 3.0)

Uma espécie do grupo Martialinae é encontrada na Amazônia brasileira – trata-se de (i)Martialis heureka(/i), de cor bem clara e cega. Ela é uma caçadora de pequenos insetos e minhocas, vivendo debaixo de folhas, madeiras apodrecidas e até mesmo em pequenas galerias embaixo da terra. (foto: Michael Branstetter / (a href=http://www.antweb.org/)AntWeb(/a) / CC BY-SA 3.0)

Nesta última centena de milhões de anos, as formigas souberam aproveitar as oportunidades existentes no ambiente em que viviam para se proliferar por todo nosso planeta. Ocupam hoje os mais diversos ambientes terrestres, e até mesmo em nossas casas têm sempre um espaço reservado para elas. Sorte para nós, que adoramos uma formiguinha frita: uma delícia que vem desde os tempos de nossa pré-história!