Física no centro da Terra

No mês passado, comentamos o primeiro livro de Júlio Verne: Cinco Semanas em um Balão, escrito em 1863. No ano seguinte, ele inventou outra viagem extraordinária, que relatou no livro Viagem ao Centro da Terra, uma de suas histórias mais populares. Ela foi revisada e publicada apenas em 1867, depois de Viagens e Aventuras do Capitão Hatteras, livro escrito e publicado em 1866.

(Ilustração: Édouard Riou)

(Ilustração: Édouard Riou)

Viagem ao Centro da Terra é narrada pelo jovem Axel, sobrinho do professor Otto Lidenbrok, um ilustre geólogo alemão. Os dois perseguem as pistas deixadas em um manuscrito antigo por Arne Saknussemm, sábio islandês do século 16, e viajam até a Islândia, onde contratam o caçador Hans como guia para entrar na cratera do vulcão Sneffels e buscar o caminho para o centro da Terra.

A viagem dura meses, durante os quais o grupo encontra coisas incríveis no caminho. Também passam maus bocados, e precisam se safar de situações complicadas. Uma das minhas favoritas acontece quando Axel se perde dos outros dois.

Para seu desespero, percebe que também não está mais próximo do riacho subterrâneo que eles vinham seguindo. Tentando retornar, em pânico, sofre uma queda e danifica sua lamparina, que por fim se apaga. Na escuridão total, e já sem esperanças, escuta de repente a voz fraca dos outros conversando ao longe. Gritando, consegue se fazer ouvir. Uma parte interessante da conversa:

Axel: É preciso, antes de mais nada, saber a distância que nos separa.
… (muito tempo se passa antes da resposta chegar)
Dr. Lidenbrok: Isso é fácil.

Axel: Está com o cronômetro?

Dr. Lidenbrok: Estou.

Axel: Então, pegue-o. Pronuncie o meu nome, marcando o segundo exato em que o disser. Eu o repetirei no momento em que o ouvir, e você marcará igualmente o momento exato em que a minha resposta chegar até você.

Dr. Lidenbrok: Certo, e a metade do tempo compreendido entre a minha pergunta e a sua resposta indicará o tempo que a minha voz leva para chegar até você.

Axel: Isso mesmo, tio.

Com a ajuda do cronômetro, os personagens chegaram à conclusão de que a distância entre os dois era de 6,8 quilômetros. Axel foi bastante esperto – ainda mais considerando que ele devia estar muito nervoso naquela situação. Mas como ele fez para medir essa distância?

(Ilustração: Édouard Riou)

(Ilustração: Édouard Riou)

O doutor Lidenbrok sabia que o som se propaga no ar com a velocidade de aproximadamente 340 metros por segundo – ou seja, a cada segundo, o som percorre 340 metros.

Ele pronunciou o nome de Axel e ouviu sua resposta 40 segundos depois. Concluiu, então, que o som pronunciado por um demorava 20 segundos para chegar até o outro. Assim, bastou multiplicar 340 por 20, chegando ao valor de 6.800 metros, ou 6,8 quilômetros.

Na imaginação de Verne, as profundezas silenciosas e rochosas da Terra permitiriam escutar a voz humana a uma enorme distância. Com certa dose de sorte, Axel acabou conseguindo chegar até onde o tio estava, e de lá seguiram viagem até o seu grande final, que – é claro! – não vou contar para não estragar a surpresa…