Tia Primina, a jabuticaba olho-de-boi e os jacarés assassinos

Sempre tive muitas tias e, de todas, as mais especiais eram as tias das tias – minhas tias-avós. Tia Primina era a mais idosa, compreensiva e carinhosa. Ela vivia longe da cidade, numa chácara rodeada de muitas árvores frutíferas: goiabeiras, mangueiras, amoreiras, laranjeiras, abacateiros e o que eu mais gostava – as jabuticabeiras!

Havia não apenas um tipo de jabuticaba, mas muitas e muitas variedades. Jabuticaba de casca amarela com preto, roxa, lilás e a rainha de todas, a jabuticaba olho-de-boi. Como o nome já diz, era enorme, do tamanho de um olho-de-boi, e sua doçura lembrava ao mais doce dos doces.

A jabuticaba era minha fruta preferida na chácara da Tia Primina (Foto: Wikimedia Commons)

A tal jabuticaba, como tudo que é bom, tinha lá seus problemas: havia apenas um pé desta jabuticabeira. Seus galhos e tronco ficavam encostados num cercadinho que formava um pequeno lago, no qual tia Primina criava alguns jacarés.

Então tínhamos a seguinte situação: os galhos abarrotados de jabuticaba, e, logo abaixo, eles – também olhos grandes, atentos –, os benditos jacarés, querendo as jabuticabas ou então um pedaço de nossos pés.

Um dia, surpreendentemente, o laguinho secou e nada de nenhum jacaré. Fomos à forra e limpamos a jabuticabeira. Porém, qual não foi a surpresa ao perceber que todos bichos lá estavam, enterrados na lama e aproveitando o restinho de água para se esconder e apanhar o pé de um desavisado!

Desde então, os jacarés sempre estiverem em meu interesse – seja porque próximo a eles poderia haver uma jabuticabeira olho-de-boi, ou por serem conhecidas muitas espécies que se preservaram nas rochas como fósseis.

O ‘Baurusuchus salgadoensis’ alcançava até três metros de comprimento (Ilustração: Deverson da Silva - Pepi)

Os fósseis de jacarés e crocodilos no Brasil são muito frequentes. Trata-se de um grupo que já perdura há mais de 200 milhões de anos, e são encontrados preservados muitas vezes com esqueletos completos, como é o caso dos descobertos no interior do estado de São Paulo e que possuem em torno de 80 milhões de anos.

Alguns são muito pequenos, como Adamantinasuchus, com não mais do que meio metro, e outros enormes, como Baurusuchus, que alcançava quase três metros. Mas o maior de todos foi Purussaurus, que viveu há alguns milhões de anos no interior da Amazônia. Seu comprimento atingia até 18 metros, e foi certamente o maior predador terrestre de toda a história da Terra.

O 'Adamantinasuchus navae' era um pequeno crocodilo de apenas meio metro

Não sei se eles gostavam de jabuticaba olho-de-boi, mas é certo que devem ter gostado de morder o pé de muitos dinossauros ou outros animais distraídos. Os crocodilos sempre foram predadores vorazes, que se diversificaram bastante ao longo do tempo geológico e alcançaram muitos ambientes diferentes – sendo capazes de viver até mesmo em água salgada.

Trata-se de animais cujas estratégias de vida propiciaram sua permanência em nosso planeta por um tempo bem mais longo que o de muitos outros grupos de animais e plantas. Escondidos na lama, eles já sabem: quase sempre há uma jabuticaba olho-de-boi ou, com um pouco de sorte, o boi inteiro!

O ‘Purussaurus’, que viveu na Amazônia, atingia 18 metros de comprimento e foi o maior crocodilo da história da Terra. Veja como seu crânio é gigante! (Ilustração: Deverson da Silva - Pepi)