Imagine a cena: você está brincando com seus amigos em um rio, quando encontra alguns pedaços de cerâmica com desenhos indígenas. Como eles parecem meio velhos e desgastados para você dar de presente à sua mãe, a melhor opção, à primeira vista, é devolvê-los ao lugar de onde vieram. Você faz isso várias e várias vezes e já está até ficando intrigado com as descobertas. Resolve, então, levar os pedacinhos para a escola.
Desconfiado, o diretor pede para que você comece a guardar tudo o que pegar nos rios. Pouco tempo depois, um geólogo (profissional que estuda a origem e constituição da Terra) passa por lá e descobre que os pequenos pedaços faziam parte de urnas mortuárias ‐ usadas para enterrar os mortos ‐ produzidas por índios de centenas de anos atrás! Parece um filme ou história em quadrinhos? Mas é verdade! Aconteceu com alguns meninos da ilha de Marajó, no Pará, que costumavam brincar às margens do rio Araramã.
“Essa é uma realidade bastante comum na Amazônia”, conta a arqueóloga Denise Schaan, do Museu Emílio Goeldi, em Belém (arqueólogos são profissionais que estudam as sociedades do passado por meio dos vestígios que elas deixaram). “Essa região já era habitada por nações indígenas vários milênios antes da chegada dos europeus e essas civilizações deixaram seus traços na forma de fragmentos de cerâmica.”
A pesquisadora explica que, tanto hoje como no passado, as populações que moravam na beira dos rios procuravam os lugares mais elevados para construírem suas casas. Como o movimento freqüente das águas nesses locais aumenta a erosão do terreno, vai deixando à mostra o material arqueológico e faz com que crianças e adultos possam coletá-lo facilmente. É só procurar um pouquinho!
Os estudos sobre a cerâmica recentemente encontrada pelas crianças de Marajó ainda não foram concluídos, mas os pesquisadores acreditam que o material pertence ao período marajoara, que vai do século 8 ao 13, aproximadamente. Essa cultura é famosa por sua cerâmica, considerada uma das mais bonitas e elaboradas das Américas.
O povo marajoara costumava enterrar seus mortos em diferentes tipos de urnas que variavam de acordo com sua posição na sociedade. Assim, as pessoas consideradas importantes, como os governantes, eram colocadas em urnas mais trabalhadas. Algumas tinham formas parecidas com as do homem, outras foram decoradas com desenhos de labirintos e assim vai.
“Enterrar os mortos em urnas funerárias era um costume bastante comum entre as populações pré-históricas”, conta Denise. “Eles praticavam um enterramento secundário, ou seja, um enterro apenas dos ossos”. A professora explica que vários rituais eram feitos para limpá-los e organizá-los. E por que todo esse cuidado? Ora, porque eles acreditavam que a alma das pessoas estava contida em seus ossos!
Além dos ossos, as urnas podiam conter objetos pessoais do morto ou oferendas. Muitas vezes, eram enterradas também outras vasilhas, contendo alimentos para que o morto se alimentasse durante sua viagem ao além. Todo esse material, encontrado pelos arqueólogos, recebe o nome de “mobiliário mortuário”.
O material coletado na ilha do Marajó pelas crianças e pelos pesquisadores fica guardado no Museu Paraense Emílio Goeldi, onde os arqueólogos trabalham para descobrir mais sobre as sociedades que viviam por lá há centenas de anos. O acervo não pára de crescer! Quantos tesouros mais devem estar escondidos nos rios amazônicos?
Se você…
Encontrar vestígios arqueológicos, como as crianças de Marajó:
Saiba que sua descoberta é muito importante. Então, para ajudar a preservar esse bem tão valioso para a humanidade ‐ e que conta tanto sobre a nossa história ‐, não escave ou mexa. Em vez disso, entre em contato com o IPHAN ‐ o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.Ficou interessado em arqueologia:
em várias cidades, há museus com atividades sobre o tema, simulando até escavações. Portanto, informe-se e divirta-se!