Lixeiras da natureza

Você pode achar estranho, mas usar restos encontrados na própria natureza para se camuflar é uma estratégia utilizada por vários animais. Dentre eles estão as larvas de insetos da família Chrysopidae, que são conhecidas como larvas lixeiras. Elas colocam restos de plantas e animais mortos em cima de seus corpos para se confundirem com o ambiente e não serem notadas por seus predadores ou presas.

A estratégia, descobriram os cientistas, não é nem um pouco nova. Pesquisadores espanhóis e americanos encontraram o mais antigo registro fóssil desse comportamento: uma larva lixeira preservada em âmbar – uma resina vegetal – por 110 milhões de anos!

Além dos tubos compridos com cerdas, que dão a aparência estranha ao animal, as pernas grandes e a cabeça em formato de banana são outras características que diferem a larva de (i)H. diogenesi(/i) das larvas atuais, que possuem cabeças estreitas e pernas pequenas (Ilustração: Pnas)

A espécie ganhou o nome de Hallucinochrysa diogenesi e possuía uma estrutura em cima do corpo parecida com um cesto, formada por longos tubos cheios de cerdas (veja a figura). Estas, por sua vez, tinham pontas em forma de trombeta que impediam que o material recolhido pela larva caísse do cesto. O paleontólogo Ricardo Pérez-de la Fuente, um dos pesquisadores que estudou o fóssil, explica que os cestos das larvas atuais não têm cerdas com esse formato, nem tubos tão longos.

Ele e seus colegas acreditam que o cesto de H. diogenesi era grande assim porque, além da camuflagem, ele também funcionaria como um escudo contra predadores com estruturas de ataque compridas, como focinhos de percevejos.

A larva de inseto foi aprisionada no âmbar há 110 milhões de anos e é uma das evidências mais antigas da estratégia de camuflagem no registro fóssil. Além disso, também é o testemunho mais antigo do ‘comportamento de lixeiro’ para insetos (Foto: Universidade de Barcelona)

E do que era feito esse grande escudo? Junto com a larva lixeira, no âmbar, foram preservados tricomas – estruturas que parecem pelos – de antigas samambaias. “Esses tricomas têm vários ramos e eram muito convenientes para criar uma densa rede para proteção física”, explica Ricardo. “Além disso, nós detectamos a presença de certas substâncias químicas na superfície dessas estruturas, o que indica que elas poderiam estar relacionadas também à proteção química contra predadores”.

Ricardo explica que a estratégia de camuflagem de carregar lixo é conhecida em vários grupos diferentes de animais, mas cada um tem o seu jeito de fazer isso. “Por exemplo, alguns ouriços-do-mar se cobrem com algas e pedras usando seus pés ambulacrais, que são pequenos tentáculos que eles têm ao longo do corpo. Já alguns moluscos fixam areia e fragmentos de conchas em seus corpos usando secreções salivares”, conta o paleontólogo.