O pulmão dos celacantos

Como a maioria dos peixes, o celacanto (esse animal simpático aí na foto) respira pelas brânquias, captando o oxigênio presente na água do mar. Apesar disso, ele carrega em seu corpo um pulmão. Que coisa sem pé nem cabeça! Mas a presença desse órgão pode dizer muito sobre os antepassados dos celacantos atuais. Eles, sim, provavelmente precisavam do pulmão para respirar, pois viviam em ambientes onde havia pouco oxigênio disponível na água e era necessário complementar a respiração pelo ar.

(i)Latimeria chalumnae(/i) vive entre 110 e 400 metros de profundidade em ambientes rochosos. O animal pode chegar a dois metros de comprimento. (foto: Laurent Ballesta / www.andromede-ocean.com / www.blancpain-ocean-commitment.com)

(i)Latimeria chalumnae(/i) vive entre 110 e 400 metros de profundidade em ambientes rochosos. O animal pode chegar a dois metros de comprimento. (foto: Laurent Ballesta / www.andromede-ocean.com / www.blancpain-ocean-commitment.com)

A presença do pulmão nos celacantos atuais foi confirmada por cientistas brasileiros e franceses que tinham uma pulga atrás da orelha sobre este assunto. Eles analisaram, para isso, exemplares de peixes da espécie Latimeria chalumnae conservados em coleções científicas, incluindo adultos e também embriões encontrados ainda no corpo de suas mães – os celacantos são ovovivíparos, isto é, desenvolvem-se em ovos dentro do corpo das fêmeas antes de sair para explorar o mundo exterior.

Para não danificar os embriões, os pesquisadores utilizaram uma técnica chamada tomografia de raio X, que permite investigar o interior do animal sem precisar abri-lo para ver o que há lá dentro. A partir desse exame, criaram modelos em 3D do aparelho pulmonar dos celacantos em diferentes estágios do desenvolvimento – embriões muito novos, embriões maiores, jovens peixes e adultos.

Assim, os cientistas perceberam que, no início da vida, os embriões apresentam um pulmão relativamente bem desenvolvido e potencialmente funcional – como se fossem utilizá-lo no futuro. Porém, ao longo de seu crescimento, o desenvolvimento desse órgão é desacelerado. Em embriões maiores, filhotes e adultos, o pulmão perde a função e torna-se apenas um órgão vestigial, isto é, que não tem função para o organismo – mais ou menos como o nosso apêndice.

Embora não tenha utilidade para os celacantos vivos hoje, os especialistas acreditam que o pulmão era importante para as espécies pré-históricas do grupo. “Os celacantos pré-históricos possuíam um pulmão maior e muito provavelmente funcional”, destaca o paleoictiólogo (especialista em peixes pré-históricos) Paulo Brito, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Ele contou à CHC que os celacantos do passado viviam em águas mais superficiais e, portanto, poderiam respirar também pelo ar. Hoje, os celacantos vivem em grandes profundidades, e não sobem à superfície para buscar oxigênio.

Fóssil vivo? Que história é essa?
Não sei se você já ouviu falar da história dos celacantos, mas ela é bem curiosa. Esse tipo de peixe foi descoberto primeiro em fósseis – os mais antigos têm mais de 400 milhões de anos e o mais recente, 70 milhões. Por muito tempo, acreditou-se que os celacantos estivessem extintos, mas, em 1938, na África do Sul, foi descoberta uma espécie viva: Latimeria chalumnae, a mesma espécie utilizada no estudo que apresentamos hoje.

Esta é uma das duas espécies atuais de celacantos. No passado, havia mais de 130 espécies distribuídas em todo o mundo, e não apenas nos oceanos, mas também em ambientes de água doce, como rios e lagos, e salobra, como estuários. (foto: Laurent Ballesta / www.andromede-ocean.com / www.blancpain-ocean-commitment.com)

Esta é uma das duas espécies atuais de celacantos. No passado, havia mais de 130 espécies distribuídas em todo o mundo, e não apenas nos oceanos, mas também em ambientes de água doce, como rios e lagos, e salobra, como estuários. (foto: Laurent Ballesta / www.andromede-ocean.com / www.blancpain-ocean-commitment.com)

Além dela, há outra espécie de celacantos, Latimeria menadoensis, e as duas vivem em grandes profundidades no oceano Índico. Muita gente chama esses peixes de ‘fósseis vivos’, por causa de seu jeitão, digamos… pré-histórico! Mas Paulo não gosta muito desse termo. “Se é vivo, não é fóssil”, diz. Ele explicou à CHC que, embora tenham aparência semelhante à dos celacantos pré-históricos, as espécies atuais já mudaram muito nesses milhões de anos – uma evidência disso é o pulmão, que agora não tem mais utilidade.