O que nos contam as moradias

(Ilustrações: Nato Gomes)

Enquanto os habitantes do Egito construíam suas casas com tijolos de barro, a maioria dos europeus e norte-americanos há muito tempo alojava-se em casas de madeira. Enquanto habitantes de iglus, nas terras geladas da Groenlândia e do Canadá, provavelmente acham bonito decorar seus lares com as peles de animais arrebatados em caçadas, moradores de metrópoles de todo o planeta preferem fazer de seus lares locais de trabalho, decorando salas e quartos com quadros de avisos e microcomputadores.

Vários outros exemplos podem mostrar que a estrutura das moradias nos ensina muito sobre a organização das sociedades em que elas estão localizadas. As cabanas dos índios bororos, no Brasil, são organizadas em um grande círculo, junto ao qual está outra grande cabana, exclusiva para homens. A disposição das cabanas é feita de acordo com as funções de cada um na comunidade o com o lugar que ocupam naquela escala social.

Já nos acampamentos de povos caçadores e coletores da Namíbia, na África, as cabanas – construídas tradicionalmente por mulheres – formam um círculo irregular, cujo centro é sempre uma fogueira, usada para afastar animais ferozes. As cabanas servem para guardar instrumentos, roupas e alimentos, mas são pouco usadas pelos membros do grupo, que passam a maior parte do tempo ao ar livre.

A forma como moramos também é capaz de indicar as transformações que nossa sociedade sofreu ao longo do tempo. Na época em que o Brasil era colônia de Portugal, muitas casas eram feitas de pedra, para durar mais. Nessa mesma época, havia diferenças nas construções de acordo com o local.

Por exemplo: na região de Campos dos Goytacazes, que fica no estado do Rio de Janeiro, a vida era muito rústica, se comparada aos padrões atuais. Mesmo as famílias mais ricas viviam com poucos objetos em casas simples e pequenas, térreas, feitas com tábuas ou ripas de madeira entrelaçadas, amarradas com cipó, embolsadas com barro molhado e cobertas por telhas ou palha. Poucas eram as casas de sobrado, isto é, que tinham um andar superior.

Geralmente, essas construções pertenciam a ordens religiosas de jesuítas e beneditinos. Elas também eram muito diferentes do tipo de casas construídas atualmente: a cozinha era um anexo nos fundos e não havia banheiro. Nem todos os cômodos tinham janelas, mas era grande o número de portas para fora, fazendo com que uma pessoa pudesse entrar e sair sem passar pela entrada principal da casa.

Em cidades como Salvador, na Bahia, a realidade era diferente: desde o século 17 havia casarões, solares e sobrados com muitos cômodos, que incluíam sala de jantar, sala de festas, capela, cozinha, despensa e senzala, que ficava nos porões das grandes casas. Os escravos que ali moravam, além de todos os afazeres domésticos, também tinham atividades pouco desejáveis, como carregar a urina e as fezes dos moradores das casas-grande para despejar fora da cidade.

Tudo isso mostra como é diversa a história das moradias, a forma como os diferentes povos encontram para construí-las e decorá-las. É muito diferente, também, o relacionamento de cada sociedade com o significado que elas atribuem ao lar. Mas é exatamente a diversidade que torna interessante a história das moradias e os pequenos detalhes que fazem, de cada lugar, um lar diferente do outro.

(Esta é uma reedição do texto publicado na CHC 118.)