Há muito tempo, numa época em que a escravidão ainda era prática corriqueira no Brasil, um grupo de escravos decidiu se refugiar no mato em busca de liberdade. O destino escolhido foi a Chapada dos Veadeiros, em Goiás. Hoje, seus descendentes formam o povo kalunga, que viveu praticamente isolado do resto do país até 1980.
Sem contato com a forma de viver dos outros brasileiros, os kalunga trataram de criar suas próprias regras e técnicas para viver nas matas fechadas. Criaram, inclusive, uma matemática própria, bastante diferente daquela que você vê na escola!
A pesquisadora Elivanete Alves, da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, estudou o povo kalunga para desvendar como eles resolviam questões simples como pesar um produto para comprar ou vender.

Este é o prato, um recipiente produzido pelos kalunga a partir da cabaça e com capacidade equivalente a 2,5 litros (Foto: Elivanete Alves)
Os kalunga não usam, por exemplo, unidades de medida corriqueiras como o litro e o quilo. Por isso, para fazer comércio com outras pessoas, tiveram que aprender a relação entre as suas unidades de medida e as da cidade mais próxima.
Um exemplo dessa situação é a venda da farinha de mandioca. As pessoas da cidade pediam sacos ou a quarta de farinha – o correspondente a 20 litros. Os kalunga, sem saber quanto era uma quarta de farinha, vendiam 20 pratos – um prato é a quantidade medida por um recipiente produzido por eles a partir da cabaça, fruto da cabaceira.
O problema é que o prato kalunga é uma cuia que tem capacidade pra mais ou menos 2,5 litros. Ou seja, os kalunga estavam vendendo cerca de 50 litros como se fossem 20, e levando prejuízo! A situação só mudou depois que eles aprenderam a converter as suas medidas para as usadas na cidade.

Foto da balança criada pelos kalunga. De um lado, o pedaço de carne que se quer pesar, do outro, uma garrafa de vidro de 600 mililitros que, cheia de água, pesa um quilo (Foto: Elivanete Alves)
Já para pesar outros produtos, eles bolaram uma balança: de um lado de uma barra de madeira, prendem algo que eles saibam que pesa um quilo (na foto, uma garrafa de vidro cheia de água); do outro, o que se quer pesar (um pedaço de carne, por exemplo). Se a barra equilibrar, a carne pesa um quilo!
Esses são apenas alguns exemplos das unidades de medida usadas pelos kalunga, mas a matemática criada por eles está presente em muitos outros aspectos de sua vida, como a arquitetura das casas, os instrumentos de trabalho e até os mitos e crenças desse povo.
hermes
há informação errada sobre o prato. o “prato” é dois litros, de 1000 ml. Meio prato é um litro. Ainda existe essa medida no interior do tocantis, e foi usada nao somente por descendentes de escravos mas em todo o comercio até os anos 70 e 80. Conheço os Kalugas a fundo, estive lá há mais de 30 anos quando ainda nao conheciam o mundo moderno. E sempre estou por lá.
Publicado em 9 de julho de 2020
Benê Mascarenhas
No Piauí, mais precisamente no extremo sul do Estado, o prato equivale a três litros de 1000 ml. Até hoje está forma de medir é bastante usada, principalmente, na zona rural.
Publicado em 29 de julho de 2021
Gustavo Cavalcanti Araújo dos Reis
No vale do rio Jequitinhonha, no interior do Estado de Minas Gerais, também existe esta medida ( prato ).
Publicado em 11 de novembro de 2023