Sobreviventes no poluído litoral brasileiro

Há cerca de 70 golfinhos da espécie Sotalia guianensis vivendo nas águas poluídas da baía de Guanabara.

Você viveria num lugar absolutamente lindo, mas barulhento e completamente poluído? Pois é, se você respondeu que não, jamais poderia viver junto com um grupo golfinhos que habita a baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, uma das áreas mais belas e mais poluídas da costa brasileira, mesmo que conseguisse nadar como um deles.

Mas como os golfinhos podem viver em meio a essa poluição? Basicamente porque, de alguma forma, ainda encontram ali o elemento básico para sua sobrevivência: alimento. Grande parte das regiões costeiras do Brasil está bastante poluída e os animais que habitam essas zonas tem que aprender a sobreviver nelas.

O grupo do Rio de Janeiro já tem sua estratégia: “Eles se concentram em uma área de cerca de 42% da baía – que correspondem a sua parte central e a uma Área de Proteção Ambiental“, afirma o oceanógrafo Alexandre de Freitas Azevedo, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), que estuda o grupo há 10 anos. “Nessas áreas há mais oxigênio, pois as águas se renovam mais e permitem a vida de uma maior quantidade de peixes.” Os golfinhos, que se alimentam desses peixes, de lulas e de camarões, se beneficiam da ausência de predadores, pois não há tubarões de grande porte na Baía.

Alexandre identificou cerca de 70 golfinhos da espécie Sotalia guianensis (conhecida como boto-cinza, uma das mais comuns em território brasileiro) vivendo na Baía. Mas como contar animais que passam o tempo todo nadando para lá e para cá? Através de um processo chamado de foto-identificação: todos eles nascem com nadadeiras dorsais (que se localizam em suas ‘costas’) lisas, mas podem se ferir e criar cicatrizes com o tempo. Através de fotos das nadadeiras dorsais, os botos podem ser identificados e diferenciados por essas marcas.

O monitoramento dos golfinhos da baía de Guanabara é feito por fotos das suas nadadeiras dorsais, que você pode ver na imagem acima (fotos: Alexandre Azevedo/MAQUA-UERJ).

Os golfinhos estão em contato com a poluição a todo o momento, e ingerem alguns poluentes quando se alimentam – como eles estão no topo da cadeia alimentar, comem uma enorme quantidade de peixes também contaminados. Então, será que eles não são afetados pela poluição? O estudo mostrou que a maioria parece não sentir esse efeito e permanece nas águas da baía de Guanabara. “Nós também convivemos com a poluição e não abandonamos as cidades”, compara Alexandre. “O processo de enfraquecimento da saúde dos golfinhos pode ser lento.”

Já se sabe que a poluição pode causar alterações como diminuição da resistência a doenças e do número de filhotes nos golfinhos. Calcular os efeitos dela nos diversos grupos espalhados por todo o Brasil já é mais complicado, pois eles estão expostos a muitas outras ameaças, geralmente relacionadas a atividades humanas, como a pesca, o tempo de exposição a cada poluente e o vai-e-vem de barcos de turismo, transporte ou comércio que, além de provocar acidentes, fazem uma barulheira danada, prejudicando a tranqüilidades dos animais.

O monitoramento dos golfinhos da baía de Guanabara mostrou que pelo menos 14 morreram nos últimos quatro anos. É um número alto, considerando um grupo de apenas 70 animais. Mas não é possível ligar essas mortes apenas à poluição: apesar das mortes por doença, muitas foram causadas por acidentes com redes de pesca – golfinhos capturados por engano por pescadores – ou por velhice. “É difícil determinar o que causa mais mortes hoje: a poluição ou os acidentes”, constata Alexandre.

Pesquisas como essa mostram como os animais se comportam em áreas poluídas e identificam quais as maiores ameaças a sua sobrevivência. “Claro que não é possível impedir o progresso”, afirma Alexandre. “Mas assim podemos encontrar formas de diminuir seu impacto à vida dos animais marinhos.”