Ciência tem cor?

Por muito tempo, cientistas negras e negros destacados nas suas áreas de atuação tiveram que enfrentar obstáculos que vão além dos desafios da profissão. Obstáculos criados pelo preconceito, que pregava que pessoas negras não teriam competência para a carreira científica. E, por muito tempo, isso atrapalhou a trajetória de pessoas que tinham muito a contribuir com a ciência. Mas elas foram em frente! Ultrapassaram barreiras que vinham desde a infância e deixaram contribuições que permanecem até hoje, em diferentes áreas do conhecimento. São inspiração para novas gerações, por mostrar que a ciência precisa ser cada vez mais abrangente, diversa, de todas as cores!

Ilustração Irena Freitas

Katherine Johnson, a matemática

Essa matemática, nascida nos Estados unidos em 1918, tornou-se uma das maiores cientistas da NASA, a agência espacial estadunidense! Chegar lá não foi fácil. Desde pequena, Katherine foi obrigada a estudar em escolas destinadas apenas a estudantes negros. Naquela época, existia nos Estados Unidos uma lei de separação entre brancos e negros, que eram impedidos de frequentar vários lugares. 

Katherine sempre gostou de matemática, e era muito boa nisso. Destacou-se como aluna, e depois como professora. Nos anos 1950, soube que a NASA tinha aberto vagas para mulheres negras. O trabalho envolvia cálculos complexos de planos de voos ao espaço. Ela se candidatou e começou a trabalhar lá. As barreiras da infância, porém, se repetiram: as cientistas negras usavam salas e banheiros separados. 

Apesar das regras sem sentido, Katherine não se abateu. Seu trabalho foi essencial para o cálculo da rota da primeira missão tripulada à Lua, em 1969, e de outras missões. Foram mais de 30 anos a serviço da ciência. Em 2016, a NASA inaugurou um centro de pesquisas que leva o nome de Katherine. Ela morreu em 2020, aos 101 anos. 

Juliano Moreira, o psiquiatra

Juliano Moreira nasceu em Salvador, na Bahia, em 1872, quando a escravidão ainda era uma realidade no Brasil. Cresceu em uma família pobre, e seu sonho era estudar medicina. Ele entrou para a faculdade – acredite! – aos 14 anos! Aos 18, estava formado. Foi um dos primeiros médicos negros do Brasil.

Na medicina, destacou-se no estudo e tratamento das doenças mentais, a psiquiatria. Juliano defendia que as pessoas que sofriam dessas doenças tivessem um tratamento humanizado, quer dizer, com mais afeto e respeito. 

Quando assumiu a direção do Hospício Nacional de Alienados, no Rio de Janeiro, suspendeu o uso de camisas de força, que impediam o movimento dos pacientes. Também retirou as grades das janelas e separou pacientes adultos e crianças. Tudo isso enquanto combatia o racismo na ciência, que também o afetava.

Juliano Moreira morreu em 1933. Por tudo o que fez, é reconhecido como “pai” da
psiquiatria no Brasil.

Antonieta de Barros, a educadora

A luta por mais participação das mulheres na política é antiga, e Antonieta de Barros certamente tem lugar de destaque nessa história. Educadora, jornalista e escritora, ela foi a primeira mulher negra eleita por voto popular no Brasil. 

Filha de ex-escravizados, Antonieta nasceu em 1901 em Desterro, como na época era chamada a cidade de Florianópolis, em Santa Catarina. Depois de se formar professora, queria ser advogada, mas na época, acredite, essa era uma profissão proibida para mulheres. Antonieta não se abateu: montou um curso de alfabetização para adultos carentes e fundou um jornal, chamado A semana

Sua atuação chamou a atenção da bióloga Berha Lutz, uma figura reconhecida na luta pelos direitos políticos das mulheres. Ela e Antonieta trocaram várias cartas na década de 1930. Em 1934, Antonieta tornou-se a primeira deputada estadual eleita em Santa Catarina, depois que, finalmente, mulheres receberam permissão para votar. Morreu em 1952, aos 51 anos.

Wangari Maathai, a bióloga

Nascida em 1940, no Quênia, país no leste da África, a ecologista Wangari Maathai plantou esperança contra o desmatamento e o desemprego de mulheres. Ela criou um movimento nacional de reflorestamento de áreas desmatadas no Quênia, que foi chamado de “Movimento Cinturão Verde”. As mulheres tinham papel de destaque nessa iniciativa, que plantou mais de 40 milhões de árvores no continente africano!

A relação de Wangari com o meio ambiente começou cedo. Depois de concluir os estudos em uma escola só para meninas, no Quênia, ela recebeu uma bolsa para estudar nos Estados Unidos, onde se formou em biologia. Quando voltou ao Quênia, dedicou-se a dar aulas na Universidade de Nairóbi. Lá, enfrentou preconceito dos colegas homens, e até do
presidente na época. 

Mas a Wangari não desistiu! Em 1977, criou um movimento de reflorestamento para áreas do país onde os rios estavam secando. Sem árvores, a erosão do solo aumentava o acúmulo de areia, terra e detritos nos rios. E, sem água, era menor a disponibilidade de comida para as famílias dessas regiões, muitas chefiadas por mulheres. Por isso o projeto ia além do ambiental: tinha papel social e econômico também. Pelo conjunto de suas ações, Wangari ganhou o prêmio Nobel da Paz, em 2004. Foi a primeira africana a obter esse reconhecimento. Ela morreu em 2011, aos 71 anos.

Milton Santos, o geógrafo

Quando se fala em geografia no Brasil, lembrar o nome de Milton Santos é obrigatório. Ele se dedicou a uma geografia preocupada com as necessidades das populações mais
humildes das cidades. 

Nasceu em 1926, na Bahia, e foi alfabetizado pelos pais, que eram professores. Desde pequeno se interessou pela geografia, mas se formou primeiro em direito. Não exerceu a profissão de advogado, e não largou a geografia, que continuou a ensinar em escolas e depois na Universidade Católica de Salvador. Foi para a França, onde se tornou doutor nessa área. E ainda trabalhou como jornalista e na área política. 

Era constante a luta de Milton Santos contra o racismo, em todos os lugares que frequentava. Ele chegou a ser barrado uma vez em uma universidade porque o porteiro duvidava que ele fosse professor da instituição. Acreditava que a relação entre os países deveria incluir as pessoas das periferias, em um mundo de mais igualdade e menos injustiça entre os povos. Morreu em 2001.

Maria Firmina dos Reis, a educadora e escritora

No dicionário, uma pessoa pioneira é aquela que desbrava caminhos e terrenos desconhecidos. Maria Firmina dos Reis representa bem isso! Ela deixou sua marca na literatura, na educação e na luta contra a escravidão no país. Nasceu em 1822, em São Luís, no Maranhão, filha de uma mulher escravizada e de um homem rico da região. O interesse pelas letras nasceu do convívio com um primo da mãe. 

Maria Firmina se formou primeiro como professora e depois se aventurou no mundo da escrita, quando não havia muitas mulheres que faziam isso. Ela é considerada a primeira escritora brasileira de romances e atualmente vem sendo homenageada em feiras literárias e documentários. 

No campo da educação, também coleciona feitos. No início dos anos 1880, ela criou a primeira escola mista do país – e gratuita! Naquela época não era comum ter meninas e meninos estudando no mesmo ambiente escolar, e Maria Firmina acabou tendo que suspender as atividades do colégio pouco depois. Mas continuou dando aulas e escrevendo. Morreu muito pobre e cega, em 1917. Sua obra mais conhecida, “Úrsula”, é uma crítica à escravidão que ainda existia no país.

Ernesto Batista Mané Junior, o físico e diplomata

Ernesto Batista Mané Junior nasceu em 1983, em João Pessoa, na Paraíba. Sua mãe também era de lá, mas seu pai era africano, nascido na Guiné-Bissau. Nesse ambiente de variedade de cultura, Ernesto também cresceu com interesses diversos: desde pequeno gostava de ciências exatas e mantinha a mente aberta para as ciências humanas e para as línguas estrangeiras. Por conta disso, hoje tem duas profissões diferentes, que se completam: é cientista, especializado em física nuclear, e diplomata. 

Ele diz saber que representatividade importa. Em pleno século 21, a presença de pessoas negras na ciência e em postos de destaque ainda é exceção. Por isso, ele defende também que é essencial investir na redução dessas desigualdades, que vêm de um passado de mais de três séculos de escravidão. 

Ernesto colabora neste sentido: diz que, para ajudar a normalizar a presença de negros e negras nos ambientes científicos, participa de muitas palestras e entrevistas. Ele conta que sempre trabalhou para mostrar que crianças negras podem ser o que elas quiserem.

Elisa Martins
Jornalista
Especial para a Ciência Hoje das Crianças

Matéria publicada em 01.11.2022

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